O grito silenciado: por que vítimas de feminicídio não pedem socorro

Relatos de familiares expõem a brutalidade e os ciclos de violência que levam a tragédias

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Estado – RS – A dor de Elizangela Cavalheiro Malaguez, 52 anos, ecoa a de muitas mães no RS. Em Pelotas, sua filha Laís Malaguez Meyer, 32, foi mais uma vítima da violência doméstica, assassinada com seis tiros pelo marido. A tragédia de Laís, que não conseguiu romper um ciclo de 14 anos de abusos, espelha a realidade de 26 mulheres mortas entre janeiro e maio no estado, que não possuíam medida protetiva. A maioria nunca registrou ocorrência contra seus agressores, revelando um cenário de silenciamento e desamparo.

O ciclo da violência e o silêncio das vítimas

O jornal Zero Hora ouviu familiares e amigos de 20 dessas vítimas para entender os fatores que as impediram de buscar ajuda. Medo, culpa, dependência emocional, descrença na eficácia da proteção e a esperança de mudança do agressor foram os motivos mais citados. Esses elementos compõem o perigoso ciclo da violência doméstica, onde a relativização da agressão e a vergonha impedem as mulheres de denunciar. Das 26 vítimas sem medida protetiva, 15 já haviam sido ameaçadas, e nove sofreram agressões físicas, mas o silêncio prevaleceu.

A ilusão do amor e a negação da realidade

A história de Laís e Tiago, marcada por ciúmes, brigas e humilhações desde os 17 anos dela, ilustra a dificuldade de romper com o agressor. Apesar das agressões físicas e do desespero da mãe, Laís justificava: “Eu amo ele”. Essa ilusão de amor, que a manteve presa ao relacionamento abusivo, é um padrão comum. Muitas vítimas, como Erica Garcês de Oliveira, 31, de Bento Gonçalves, subestimam o risco, não acreditando que o parceiro seria capaz de tamanha violência, mesmo diante de ameaças e controle excessivo.

O risco subestimado e a vergonha que cala

Em Uruguaiana, Taila Monteiro Fan, 32, também foi vítima fatal após um relacionamento de apenas três meses, atacada a facadas pelo namorado ciumento. A vergonha e a culpa são barreiras adicionais para as vítimas. Daniela da Silva dos Santos, 31, de Carazinho, foi morta a facadas pelo marido, e sua família só soube da conturbada relação após o crime. A vizinha Vera Lúcia Gomes, 60, que também sofreu violência, destaca a importância de não ter vergonha e buscar ajuda, mesmo que de forma sutil, como fez ao atrair mulheres para um centro de apoio através do artesanato.

Dependência emocional e o medo paralisante

A dependência emocional é outro fator crucial. Cintia Mara, 21, de Marau, ignorou os conselhos da irmã Kauane Rodrigues Seixas, 20, sobre o ciúme e o controle do namorado. Agressões físicas se seguiram, e Cintia foi encontrada morta em uma área de mato. O medo também paralisa. Ângela Stratmann, 35, de Iraí, apanhava constantemente, mas negava as agressões e pedia à mãe para não denunciar. Mesmo hospitalizada após uma facada, ela protegeu o agressor, revelando o terror que a impedia de buscar socorro.

A descrença na proteção e o apelo por denúncias

A descrença na eficácia da proteção estatal é um obstáculo final. Duanne Radhaye Pimentel Lungues, 20, de Santa Rosa, não acreditava que as ameaças do ex-namorado à sua mãe, Franciele Dadiane Mazurkevicz Gomes, 36, se concretizariam. Após a morte da mãe, Duanne questiona a capacidade do Estado de proteger as vítimas. Tatiana Bastos, diretora do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis, ressalta que a maioria das mulheres morre calada, e que é fundamental estimular a denúncia, não apenas da vítima, mas de toda a sua rede de apoio, para que elas possam ter acesso às medidas de proteção da Lei Maria da Penha. (Fotos e reportagem; GZH)

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