Há 12 anos vivendo nas ruas de Santa Maria, Mário (nome fictício) é um dos sobreviventes do incêndio na boate Kiss, que matou 242 pessoas em 2013, entre elas sua companheira. Desde então, ele sobrevive cuidando de motos no Centro da cidade, onde também dorme, sob uma marquise na Rua Alberto Pasqualini.
Mário faz parte dos 390 moradores em situação de rua registrados na cidade em 2024 — um aumento de 56,4% em relação ao ano passado, quando a Secretaria de Desenvolvimento Social contabilizou 250 pessoas sem moradia.
A história de Mário é marcada por desafios desde o início. Ele foi abandonado ainda recém-nascido, em um matagal no interior de Santa Cruz do Sul, e encontrado com a placenta por um caminhoneiro, que decidiu criá-lo como filho. Ele foi criado com humildade, cresceu em Santa Maria e chegou a servir o Exército, inclusive participando de uma missão de paz no Haiti. Depois disso, construiu a vida com trabalho: atuou como vigilante em diversos locais da cidade e complementava a renda como segurança em bares e boates.
— Eu trabalhava na universidade (UFSM) durante a semana, e no fim de semana fazia bico no Bombai, um bar bem conhecido na cidade. Tinha emprego e ajudava minha família — conta.
Sua vida mudou completamente na madrugada de 27 de janeiro de 2013. Naquela noite, ele e sua esposa estavam trabalhando como seguranças na boate Kiss. Ela não sobreviveu ao incêndio. Ele acordou dias depois, em um hospital em Porto Alegre, sem saber o que havia acontecido.
— Acordei no Hospital Conceição, com um dreno no corpo. Quando me contaram que minha mulher tinha morrido, foi como se tudo tivesse acabado. Eu nem pude me despedir. Não fui ao velório, nem ao enterro — lembra, emocionado.
A dor o levou à depressão. Sem forças para seguir, ele abandonou tudo e foi morar nas ruas. Primeiro, montou uma barraca perto dos Correios, onde ficou por sete anos. Quando o prédio foi cercado por grades, mudou-se para o local onde vive hoje, dividindo espaço com um amigo.
Para sobreviver, cuida de motos estacionadas e conta com a ajuda de pessoas que o conhecem. Apesar da situação, tenta manter sua dignidade.
— Eu não bebo. Cuido do que é meu, respeito as pessoas e mando um dinheiro pros meus filhos sempre que posso, mesmo sem falar com eles. Não quero que passem necessidade.
Sobre o preconceito, ele desabafa:
— Muita gente me olha com nojo, tapa o nariz, desvia. Mas minha vontade era abraçar essas pessoas, mostrar que nosso abraço pode ser um gesto de amor, não de medo. Aprendi muito com essa vida dura. Tenho cicatrizes, mas também tenho respeito por mim mesmo.
Fonte : Diário de Santa Maria
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