Porto Alegre, RS – Aos 100 anos de idade, completados no dia 30 de junho de 2025, o policial civil aposentado Alfredo de Souza Lima tem histórias que atravessam gerações — e duas grandes enchentes. Morador do bairro Humaitá, em Porto Alegre, ele vivenciou de perto as cheias de 1941 e 2024. Para celebrar o centenário, a família organizou uma festa no último sábado (5), nos fundos da casa onde ele vive. O encontro foi simples e afetivo: bolo com merengue, chá e cerca de 20 convidados.
Apesar da audição reduzida, seu Alfredo mantém a lucidez e a memória vívida. Em 1941, com apenas 15 anos, ajudou como voluntário durante a inundação. Salvou pessoas, transportou mercadorias e quase morreu afogado ao cair de um caíco — pequena embarcação de madeira usada para a travessia. O resgate veio pelas mãos do cunhado Euclides, que mergulhou e o retirou da água.
2024
Mais de oito décadas depois, em maio de 2024, precisou novamente de ajuda para sair de casa, agora como um senhor centenário. A água atingiu 1,70m do lado de fora da residência, onde vive desde os anos 1960. Ele e a filha Suzana foram levados de barco até um ponto de resgate no Viaduto José Eduardo Utzig e, de lá, para um abrigo no bairro Bom Jesus. Ficaram 14 dias no ginásio: seu Alfredo dormia sobre colchões, até conseguir uma cama. Ganhou até uma prótese dentária nova, já que perdeu a antiga durante a cheia.
— Nunca imaginei passar por outra enchente. A de 2024 foi muito violenta — disse o centenário, com serenidade.
— Trabalhei desde pequeno, a vida inteira. E o tempo foi passando — resumiu.
Fã do Internacional, seu passatempo favorito é assistir a filmes de faroeste em DVD. Na juventude, ia ao cinema duas vezes por semana, lia livros de bolso e mantinha o hábito de acompanhar jornais. Nunca fumou nem bebeu, sempre adotou hábitos moderados e fazia check-ups médicos regularmente.
Em 2021, passou por uma cirurgia delicada para retirada de um tumor no intestino, mas se recuperou bem. Hoje, faz fisioterapia e pedala em uma bicicleta ergométrica. Precisa de andador e tem cuidadores 24 horas por dia.

As lembranças de 1941
Na enchente de 1941, Alfredo morava com duas irmãs na Avenida Pará, entre os bairros São Geraldo e Navegantes. Trabalhava em uma fábrica de carrocerias de caminhão e viu a água subir lentamente até a beirada do telhado. Com o cunhado, ajudava a resgatar vítimas e retirar mercadorias a pedido de comerciantes — sem cobrar nada. Quando curiosos pediam para ser levados para ver a destruição, aí sim cobravam pelo serviço.
Durante uma das travessias, ele perdeu o equilíbrio e caiu no valo. Por sorte, conseguiu respirar antes de afundar. Foi salvo por Euclides, que teve calma para manter o barco estável antes de mergulhar e puxá-lo de volta.
— Andávamos o dia inteiro com aquele caíco, ajudando quem precisava. Era uma correria — recorda.

O retorno para casa
Depois do abrigo, seu Alfredo ainda passou por Viamão e Cachoeirinha, antes de retornar à própria casa em 29 de junho. Os prejuízos causados pela enchente chegaram a 100 mil. Para reconstruir o lar, a família usou o valor do seguro de um carro que teve perda total.
Mesmo diante de tantos desafios, o otimismo sempre esteve presente. A filha Suzana lembra do que o pai dizia durante os dias difíceis no abrigo:
— Ele me acalmava: “Vai dar tudo certo. Estamos vivos”.
Além das enchentes, seu Alfredo sobreviveu à pandemia da covid-19 e a um AVC sofrido exatamente no dia em que completou 90 anos. Após tudo isso, chegar aos 100 com lucidez, memória afiada e serenidade é um feito que impressiona. Seu Alfredo é um sobrevivente — um homem que venceu o tempo e as águas.
Fonte: GZH
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